terça-feira, dezembro 23, 2014

Grupos corais

Vivemos num mundo de modas, que tudo condicionam, em especial o instrumento privilegiado da sua promoção, a comunicação social. E agora, a moda é o canto coral. Não estou a pensar no cante alentejano, cuja celebração internacional poderia obrigar-nos a sestas inopinadas, com os sólidos blocos alentejanos a abanarem-se longamente em todos os écrans televisivos. A verdade é que tal forma de arte é pouco comercial, e no Alentejo nasceu uma mais rentável forma de negócio, explorando as peregrinações para Évora.
O coro mais ouvido na TV é o famoso poema “até ser condenado é presumido inocente”, executado em perfeita harmonia por todos os opinadores oficiais e oficiosos das TVs , onde apenas o dr. Mário Soares desafinou, quando, tentando usar um vozeirão, lhe saiu um falsete.
Mas não deixa de ser divertido ver tanta gente culta, tão diligentemente empenhada em respeitar a constituição, a violá-la por sistema.
Vejamos:  
O art.º 32º da Constituição, titulado “Garantias de processo criminal”, estipula, de facto, no seu número 2, que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação…”
Como resulta do enquadramento do texto, é uma garantia que limita e condiciona o exercício da justiça, mas não o direito à opinião. O cidadão comum, a quem não caiba qualquer acção no âmbito do exercício da justiça, não pode ver, por isso limitado o direito à opinião, expressamente conferido pelo art.º 37º da mesma Constituição.
Poder-se-á argumentar que o conflito entre os dois direitos, obrigaria os cidadãos a uma auto-censura, bloqueando o exercício do direito à opinião até à conclusão do processo judicial. Só que o nº 2 do mesmo artigo é muito claro: “O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”. “Qualquer tipo ou forma de censura” tem que incluir a auto-censura, pelo que os silêncios dos comentadores perante os clientes das televisões que lhes pagam, violam claramente a Constituição.

Mas se o coro dos presumidores é infeliz, o mesmo se diga do grupo coral que contesta a estátua de Cristiano Ronaldo no Funchal. Eu acho extraordinária a solução do artista, que, sem se desviar muito da figura do homenageado, consegue o dois-em-um, através dele homenageando também a Irina. Ou não?

terça-feira, dezembro 02, 2014

Traz o selo?


É preciso ter passado os 50 para entender a tremedeira que esta inocente pergunta gerava nos novos e velhos, nos “tempos da outra senhora” quando, por qualquer motivo, tinham que se aproximar dum guichet. E não digo guichet público porque, naquele tempo, guichets privados só nos serviços monopolistas de água, electricidade e quejandos, que usavam no trato com os clientes a mesma arrogância dos serviços públicos.
Era certo e sabido que a primeira abordagem de qualquer repartição ou conservatória, depois do jogo da sorte ou do azar, em que sorte eram minutos de espera, azar algumas horas,
esbarrava no inevitável “traz o selo?”, como uma autêntica porta na cara.
A democracia trouxe mudanças, deixou de ser preciso ir ao outro lado da paróquia comprar um selo de tostões para abrir os balcões, e a jactância dos funcionários com a importância de serem “públicos”, deu lugar a um espírito de serviço, obediente a um sistema. Sistema que substituiu o selo pela senha, com inegáveis vantagens – é grátis, e está já ali à porta.
O cidadão enfrenta o pedestal das senhas, corre o menu, e dá voltas ao bestunto para decidir em que categoria cabe o seu problema específico, para não correr o risco de ver o “traz o selo?” substituído por um “para si é a senha E”, regressando à máquina e ao fim da virtual fila.
Depois pode distrair-se com o programa televisivo dos números a sucederem-se lentamente, até que um dos muitos “plins” anuncia a sua senha e o número identificador do funcionário à sua espera.
Eficaz, resolvendo bem o problema das filas múltiplas, para as múltiplas competências e disponibilidades de tratamento dos múltiplos problemas. Palmas para o progresso.
Ontem tive que me deslocar à zona de serviço ao cliente da Worten, em Leiria, que não conhecia.
Um espaço amplo, aparentemente bem cuidado e organizado, com 4 bancadas não numeradas, 3 vazias e uma ocupada por uma funcionária que atendia uma cliente. Lá dentro, no que parecia oficina anexa, algumas pessoas interagiam.
Não havia que hesitar, avancei para a bancada em serviço, e esperei atrás da cliente a ser atendida, a discreta distância, a minha vez. Algumas pessoas foram entrando, e esperando atrás de mim.
“Traz o selo? – desculpem, não foi bem assim – Tirou a senha?”
“Qual senha?”
Lá estava, à direita da entrada mas em lugar que não vi, a maquineta das senhas, pelo que, não tendo levado o selo, e ela me dirigi, para decidir se eu era “A – Contratos, B –Reclamações, C – Devoluções” ou outras letras e questões, que não li, pois eu era claramente C. Tirei a senha, constatando que todas as letras levavam à senhora única do atendimento, entrando no terceiro e último lugar da fila que antes do “traz o selo?” tinha liderado.
A bem da verdade, a senhora única deixou de ser única, e fui atendido por outra que entretanto chegou a outro balcão. Atendido com eficiência e simpatia bastantes para anular a irritação que o incidente me poderia causar:
A escravatura a rotinas amplia a desumanização da nossa vida, levando a que se perca de vista o essencial – sistemas servem pessoas antes das pessoas servirem sistemas. Numa situação de fila única de 3 clientes, o lapso de não ter usado o bom recurso que o sistema facultava, não justificava a inversão duma prioridade que todas as 3 pessoas presentes conheciam e seguramente, com ou sem senha, não duvidariam em respeitar.
Mas pensar é para os chefes (alguns!) – os funcionários seguem ordens e evitam riscos. Pelo menos é esse o sistema!


sábado, novembro 22, 2014

Sócrates e a ética

Sócrates detido, e o País ferve. Toda a gente comenta, especula e sentencia, mastigando e ruminando factos, opiniões e indícios, dissecando o imediato e óbvio, mas todos sem se darem ao trabalho da análise profunda que, eventualmente,  o caso justifica. Surpresa? Porquê?
Vivemos num País (ou mundo) onde a ética foi arquivada como obsolescência de velhos, substituída pelos valores comportamentais da moda, que determinam o sucesso a qualquer preço como o valor supremo. Alguém se pode surpreender que pessoas com a ambição que leva à carreira política, uma vez chegando ao poder, que sabem transitório, pela alternância, se afadiguem a usar esse poder, para cumprir os desígnios da moda?
Olhe-se à volta: será que na atividade que nos rodeia, mesmo legal, há ainda alguns resquícios de ética?
Vivemos do e para o consumo, arregimentados para as respectivas catedrais, enquanto discutimos os "méritos doutrinários" dos Continentes ou Pingos Doces, sem nos apercebermos da manipulação grosseira a que todos nos submetem. Será eticamente aceitável a forma como o merchandising organiza esses espaços, para nos condicionar a comprar o que nos querem vender, quer nos seja ou não necessário?
Será eticamente aceitável a manipulação dos carrinhos de compras, obrigando-nos a torcidas gincanas na sua condução, apenas porque os experts acham que os defeitos voluntariamente introduzidos nos induzem à compra?
Talvez!
Mas depois entram-nos em casa via televisão, atraindo-nos à armadilha com ruidosas mensagens anunciando grandes poupanças, apenas porque algures no 34º escaparate está um chouriço com 10ª de desconto, e isso, embora a engenharia financeira do chouriço torne a mensagem legal, poderá alguma vez ser eticamente relevado?
Que dizer dos anúncios de automóveis, onde a lei, para nos dar um mínimo de protecção obriga a incluir informação esclarecedora, e que todos os anunciantes sussurram numa louca correria, para garantir que ninguém entenda nada, e escapar ao braço da justiça, argumentando que a mensagem estava lá, embora na prática, de facto, não estivesse?
Que dizer das empresas de telecomunicações que destacam para nossas casas e locais de trabalho, jovens desesperados para daí levar uns papéis assinados, que representam o seu acesso a uma magra retribuição, e que impingem a qualquer preço, para depois virmos a descobrir que aquilo que contratámos geralmente diverge do que nos fora prometido?
Que dizer da nuvem de pequenos e grandes negócios que nos chegam a todos pelo telefone, que “não pode ser informado por escrito” e nos pressionam a comprar por impulso, desmontando e bloqueando qualquer tentativa de reflexão e ponderação?
Que dizer do abuso das letrinhas microscópicas, utilizadas para legalizar contratos e  negócios intencionalmente obscuros e imprecisos?
Que dizer das lojas que, pensando vender a 100, fazem de conta que marcam a 200, para poder anunciar permanentemente promoções de 50%? Ou mais?
Ética?
Não brinquem com gente moderna! Já passou! O que é preciso é entender os tempos, e ganhar dinheiro. Muito, e depressa.
Porque não na política? Dá poder, e geralmente acesso a grandes contas e negócios. Se não se for apanhado qual o problema?
Tinha muito mais a dizer, mas desculpem, vou ficar por aqui. Há um americano que quer comprar o mosteiro de Alcobaça, eu vou ver se consigo uma comissão, e como ele aceita pagar em Gibraltar, talvez me isente de declarar para o IRS.

Não posso perder!

segunda-feira, novembro 03, 2014

Novos avisos

A pouco e pouco a realidade vai-se impondo aos gestores da circunstância, empenhados em disputar as benesses sobrantes do devaneio consumista, enquanto o mundo se deteriora, e insistimos irresponsavelmente na condenação dos nossos descendentes.

A indispensável lucidez chega em postas, desligadas e desarticuladas, de molde a não forçar ninguém a reconhecer que o paradigma económico que comanda toda a humanidade corre para o fim da sua viabilidade, dessa forma, permitindo que, com mais ou menos preocupação de alguns, nada de essencial mude.

Desta vez é a ONU que no 5º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas põe o dedo na ferida que a muitos ainda não dói:

Ao fazer projecções para o futuro, os cientistas prevêem impactos severos e irreversíveis para a humanidade e para os ecossistemas. “Se não frearmos as mudanças climáticas, elas ampliarão os riscos já existentes e criarão novos riscos. Meios de vida serão interrompidos por tempestades, por inundações decorrentes do aumento do nível do mar e por períodos de seca e extremo calor. Eventos climáticos extremos podem levar a desagregação das redes de infraestrutura e serviços. Há risco de insegurança alimentar, de falta de água, de perda de produção agrícola e de meios de renda, particularmente em populações mais pobres. Há também risco de perda da biodiversidade dos ecossistemas”.
...
O relatório enfatiza que, para frear as mudanças climáticas e gerenciar os seus riscos, é preciso que as nações promovam ações combinadas de mitigação e adaptação. “Reduções substanciais nas emissões de gases de efeito estufa nas próximas décadas podem diminuir os riscos das mudanças climáticas e melhorar a possibilidade de adaptação efetiva às condições existentes”. Os cientistas reconhecem, entretanto, que essas reduções demandarão mudanças tecnológicas, económicas, sociais e institucionais consideráveis.
Fonte: Agência Brasil

Somem-se os paradoxos duma economia assente na produção de excedentes (em que a pessoa humana é o primeiro e maior excedente, preferencialmente substituído por meios de produção capital-intensivos e natureza-destrutivos), e podemos prever o que os nossos netos irão pensar de nós, se e enquanto conseguirem sobreviver.

Desculpa Diogo, mas o teu avô nunca se conformou! 

sexta-feira, outubro 17, 2014

Manifestações contra o orçamento do Estado

Milhões de manifestantes encheram ontem as ruas de Madrid e Rabat, numa manifestação espontânea convocada através do Facebook em ambos os lados do estreito de Gibraltar. Espanhóis e marroquinos ficaram em pânico com o anúncio do orçamento do Estado português. A confirmação de que o Governo português se prepara para recolher mais impostos em 2015, com os portugueses a pagar menos, levou alguns agitadores a fazer passar nos países vizinhos o boato de que teriam que ser eles a pagar a diferença. 
Bruxelas já convidou o professor Medina Carreira a deslocar-se a ambos os países, para explicar o que já revelou aos portugueses: "Os políticos mentem ao povo, porque se dissessem a verdade perdiam o emprego".
Mais do que definir os políticos, tal informação define o povo - não aceita a verdade, exige viver de ilusões, e por isso, o poder político é entregue não aos grandes estadistas, aos maiores gestores ou técnicos, mas aos melhores ilusionistas.
Receber mais de quem paga menos não passa, de facto, dum golpe de magia muito mais fácil e simpático do que serrar uma mulher em palco, ou transformar um coelho em confettis.
Verdadeiramente espectacular será a anunciada transformação de milhões de portugueses em milicianos de vigilância fiscal, para poderem receber em 2016 o valor necessário para pagar o IUC dos veículos topo de gama que continuarão a ser distribuídos aos mais sortudos dos mais zelosos milicianos.

quinta-feira, setembro 18, 2014

Perdoem-lhes

Custa-me a suportar o execrável telelixo com que os canais comerciais tentam adormecer-nos, para nos injectar a pastilha comercial de que são dependentes. Tenho, no entanto, que reconhecer nesse lixo uma coisa boa – é que se devora a ele próprio, passando rapidamente à história.
Vantagem mínima, porque, na verdade, se limita a ser substituído por mais do mesmo, com a mesma algazarra, mas rodando um pouco o elenco de “famosos” de serviço.
Uma das “doenças” que pensava definitivamente arquivada era o pavoroso “Perdoa-me”, que parecia a ninguém ter deixado saudades.
Foi, por isso com desespero, que vi a reposição do dislate, ainda por cima num local supostamente sério, mas que parece ter sido convertido para a comédia - o Parlamento.
Fiéis ao princípio dominante, da actual cultura de consumismo mediático, os ministros fazem fila para entrar no programa, enquanto crescem as apostas sobre as semanas que faltam para o próprio Primeiro-Ministro se dispor a ser o “famoso” de serviço.

Ainda vai demorar. Com os líderes da oposição a discutir candidatos a candidatos a candidatos, as audiências não sobem, e o PM não corre a foguetes.

terça-feira, setembro 16, 2014

Tiros e tinos

Nos tempos “da outra senhora” li no Diário de Notícias uma inesquecível notícia, que, não garantindo o rigor textual, seria assim:
“Quando ontem seguia em patrulha pela Arrábida, deparou-se ao cabo Sousa da GNR uma viatura que lhe pareceu suspeita. Como a viatura não parou quando lhe fez sinal, o cabo Sousa disparou dois tiros para o ar, com tanta infelicidade que matou os dois ocupantes da viatura.
Lamentamos a sorte do cabo Sousa, até porque se comprovou que nada de irregular se passava com a viatura ou os seus ocupantes.”
Lembrei-me desta notícia, quando, depois de ver na TV um jovem exibir 3 ferimentos de balas de borracha, li no Correio de Manhã uma notícia baseada no relatório oficial da PSP, explicando que, depois de esgotados os meios brandos de reposição da ordem, a PSP fora obrigada, no jogo Guimarães-Porto a disparar dois-tiros-dois de balas de borracha.
Fico à espera de saber onde foi o rapaz comprar o terceiro ferimentos, ou qual a tecnologia que permite 3 ferimentos com apenas duas balas.
PS – Parabéns ao atirador. Tiros tão centrados, no meio da confusão, só mesmo de campeão.

PS2 – O supermercado de ferimentos com balas de borracha deve ter feito bom negócio, pois estão a aparecer colecionadores na net.

segunda-feira, agosto 25, 2014

Ambiente o quê?

Vi há minutos na TVI uma notícia, que, curiosamente, transforma Aljustrel no paradigma do mundo.
A povoação está a ser violentada com explosões nas minas, mas, como 500 postos de trabalho dependem disso, mais pó menos pó, mais barulho menos casas espatifadas, quase todos se resignam. É esse o retrato do mundo.
Claro que há formas mais simples e seguras de extrair minério, mas envolvem mais mão-de-obra e respectivos custos. Assim é muito mais barato.
O custo ecológico é suportado pelo povo, e com esse “subsídio” da população à empresa, a actividade torna-se muito mais competitiva.
Quando o mundo rico disfarça os custos ambientais exportando resíduos tóxicos, para uma África que, entre uma morte lenta por envenenamento, ou rápida à fome, opta pela que lhe dá mais tempo, termos este exemplo aqui ao pé da porta é pedagógico.

Enquanto a economia poderosa tiver quem lhe suporte os custos ecológicos, nada mudará, continuando todos a progredir, alegre e consistentemente, para o desastre final

sábado, julho 05, 2014

Cuidadinho. senhores políticos!

Volta a crescer a pressão sobre a necessidade de gerar consensos, para garantir a estabilidade do País. Mas que consensos, e entre quem?
Há na política três únicas atitudes possíveis, excluídas as dúvidas e indecisões - Continuidade ou mudança, esta sob uma de duas formas: Evolução ou Revolução.
O modelo político português está suficientemente maduro (ou talvez já podre), para, retiradas as máscaras, nele se distinguir quem defende a continuidade, a evolução ou a revolução.
É conhecida a máscara do Partido Comunista, que esconde numa rotina de acção democrática uma nunca traída ideologia revolucionária. São conhecidos os pequenos grupos que se demarcam por pormenores estratégicos ou tácticos, mas que no fundo seguem a mesma ideologia. Os cultores da revolução são facilmente identificávies, e, justiça seja feita, descontadas as pequenas habilidades impostas por este baile de máscaras, jogam limpo.
Mais difícil é a destrinça entre os defensores da continuidade e da evolução.
A mudança é argumento comum e inevitável de todos os candidatos a gestores da continuidade, não sendo esse argumento totalmente falso, porque se ganharem, mudam mesmo - caras, clientelas, boys.
A experiência da rotação governativa já não deixa dúvidas sobe a clareza desse processo, que acabou por ser institucionalizado com um novo conceito - o arco da governação.
Os partidos do arco da governação são, assim, o garante da continuidade, disputando o PSD e o PS um animado Benfica-Sporting com o CDS emulando o FC Porto na caminho para o êxito através dos bastidores.
Portanto, aquilo que o Presidente da República e o Conselho de Estado, aparentemente num coro afinado (Mário Soares estava rouco e Alberto João Jardim ficou a estudar a partitura no check-in do Funchal), exigem é: CONTINUIDADE.
Será essa a solução? Será isso que o Povo Português quer?
Analisei o panorama eleitoral sob um prisma novo, avaliando o peso do apoio à continuidade e as expectativas de mudança. Considerei que o apoio à continuidade é dado pelo "arco da governação", com todos os outros, mesmo os que se baldam, a exigir mudança. Dentro destes tentei ainda medir a relação entre os que preferem evolução ou revolução.
O panorama confirma aquilo que o saber popular já vinha denunciando - começa a ser questionável a representatividade de quem nos governa, ou nos quer governar: Os partidos do tal arco não representam sequer metade dos portugueses, e se os resultados das recentes eleições europeias pudessem ser interpretados da mesma forma (não podem, mas têm, seguramente, algum significado), quem, por dentro ou por fora, disputa o poder fá-lo-ia em nome de um quinto dos cidadãos. ASSUSTADOR!



Outro aspecto que poderá justificar alguma atenção é a qualidade desse desejo de mudança. Segundo o (frágil) critério que escolhi, a relação entre os que defendem evolução ou revolução tem evoluído da seguinte forma:


Constata-se aquilo que alguns analistas tinham anunciado - a crise quebrou a tendência regressiva das ideologias revolucionárias, e levou a alguma recuperação. É certo que as Europeias não confirmam essa inversão, mas, como já reconheci, o contexto é outro, e confesso que não sei bem se o fenómeno "Marinho Pinto" não encerra muito de revolucionário.
Esta é a visão em Portugal dum fenómeno que não é exclusivo nosso, e faz abalar as nações mais poderosas. Ninguém trava o crescimento das desigualdades, em nome dos interesses do dinheiro, e as tensões vão acumular-se.
O Mundo está doente, e os nossos líderes continuam a gerir o trivial, indiferentes aos grandes desafios e ameaças.  Continuo a não querer ser pessimista, mas não consigo augurar nada de bom para tanta inconsciência.









segunda-feira, maio 19, 2014

Vivó Benfica

Abro a TV, num daqueles raros períodos em que as telenovelas permitem que haja televisão, e, com um ou outro pequeno intervalo para o dr. Paulo Portas fazer de conta que fica muito feliz por a troika fazer de conta que se vai embora, só dá Benfica. É justo!
Depois da fornada de castelhanos da Dª Brites de Aljubarrota, e da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia em maiúsculas, apenas uma vitória sobre o Rio Ave poderia elevar a auto-estima deste povo a um nível que não desilude os seus egrégios avós, tios e primos.
Mas, mais do que justo, é bom!
Se vermelho é, por definição, a cor da TV, após o vermelho do sangue bósnio, depois líbio, e sírio, agora quase em saldos, e enquanto a sangria ucraniana não fica telegénica, nada melhor que um povo de brandos costumes, e esgrimir cachecóis vermelhos, e a berrar que o SLB é o melhor o mundo, ou até mesmo da Amadora e arredores.
O que me preocupa é o futuro.
Quando se espera que o fogo substitua o Benfica para cumprir o objectivo de  tingir as têvês de vermelho, vêm os meteorologistas prever chuva. Inconscientes!
Antes que as têvês os despeçam (para despedir basta o Governo) lanço uma ideia:
O Benfica foi apurado para a final da Taça de Portugal feminina, o que, mesmo baixando um pouco a tabela dos anúncios, permite prolongar a festa mais uma semana, dando tempo a que os meteorologistas despeçam a chuva. Apenas me parece oportuno e politicamente correcto, antes que o leão do Marquês baixe à
psiquiatria, transferir o arraial para junto da estátua da Florbela Espanca, ou, se as televisões estiverem numa de facturar ajudas de custo, para Aljubarrota, aproveitando para passar na tasquinha onde o meu amigo Rodrigo está ansioso por revelar os seus Pastéis de Ló a todos os benfiquistas, mesmo aos benfiquistas do Sporting, Porto, ou outras nacionalidades.

Sem comissões, esclareço!

quinta-feira, maio 01, 2014

Nelson Evora e o racismo

Causou grande eco na comunicação social a notícia de que o atleta Nelson Évora e amigos teriam sido impedidos de entrar numa discoteca por haver “demasiados negros no grupo”.
Porque vivemos num mundo de modas, e, arrefecida que está a moda da homofilia, é agora a vez do anti-racismo.
Saudando desde já o fair-play e inteligente humor do Dani Alves e da sua banana, o incidente com o grande Nelson Évora convida a um prudente raciocínio sobre estas questões de raças e segregações.
Não devemos perder tempo a questionar o mérito das decisões políticas de proibir segregações em funções de diferenças, sejam elas étnicas, religiosas, sexuais ou de qualquer outra natureza. O princípio e o direito à igualdade é uma das maiores conquistas da civilização, e como tal deve ser entendido e respeitado, mas sem excessos insensatos.
A verdade é que, todos por igual, têm direito de associação, escolhendo com quem o fazer.
Ideologias políticas, clubismos, religiões, regionalismos, tendências sexuais, moda, identificação cultural, são factores de selecção e agregação na maioria das associações, institucionais ou eventuais, de todos nós. Tal como a raça.
A verdade é que no atletismo português há milhares de atletas, e sem consultar estatísticas, não tenho dúvidas de que a maioria será de raça branca, pelo que, em termos de probabilidade matemática, o grupo do Nelson Évora, deveria incluir tantos ou mais brancos que negros. Isso não aconteceu, por que a constituição do grupo foi feita no uso dum legítimo critério do Nelson, que seleccionou quem muito bem entendeu para o seu grupo, deixando todos os brancos de fora.
Os porteiros deste tipo de estabelecimentos são, por definição, fabricantes de discriminação, mas essa sua função, duma forma geral, nunca foi contestada ou publicamente avaliada, a não ser em casos de violência. Quer isso dizer que se o grupo tivesse sido barrado por falta de gravatas, ou até smoking, por ter mais homens que mulheres, mesmo por ter “mau aspecto”, critérios legitimados pelo uso diário em montanhas de sítios, tudo seria normal.
O porteiro limitou-se a opor ao critério de selecção do grupo usado pelo Nelson, o seu critério de selecção da frequência do estabelecimento, de acordo com aquilo que ele entendeu interessar ao patrão e seu negócio.
Incidente que toda a gente é obrigada a condenar, até porque o porteiro poderia ter usado qualquer outro da sua bateria de pretextos para atingir os fins pretendidos, sem a exposição a que se sujeitou.
Esqueceu-se o porteiro que neste fluir de modas, a hipocrisia é a única que nunca passa.


terça-feira, abril 22, 2014

Benfica da Manhã

Caro engº Paulo Fernandes
Antes de mais nada permita-me que, em texto que provavelmente nunca lerá, lhe mande um abraço, para suavizar uma reclamação.


Sou leitor assíduo do seu Correio da Manhã, o jornal mais útil e fácil de ler, desde que se conheça a técnica conveniente, e que não me custa ensinar aos que se atreverem a ler-me:

Abre-se o jornal ao meio, e escorre-se a primeira parte, podendo aproveitar-se o sangue para morcelas ou uma cabidela. Espreme-se depois a segunda parte em separado, pois o silicone que escorre só serve para fins industriais, normalmente construção civil ou de corpos desenhados por catálogo. Depois de bem seco, o jornal lê-se em 5 ou 10 minutos sem esforço, e sem risco de se sujar.

Mas na segunda-feira correu mal – ao espremer a primeira parte, o sangue tinha um aspecto estranho, dum vermelho muito mais vivo que vim a confirmar ser tinta de camisolas made in RPC (até o milionário futebol, meu Deus…).
Foram 16 páginas sobre o Carnaval da Luz, o que já não é mau, mas, caro engenheiro, não se justificaria uma edição especial?
Nota – Faça-a! Ainda vai a tempo, e aproveita para gastar o stock da tinta vermelha, pois parece que nos próximos anos o verde é mais trendy.


Parabéns Benfica

Duplos parabéns, pelo título, e pela demonstração da nódoa que é a televisão portuguesa.
Todos os dias, a necessidade de manter o pagode de boa aberta para engolir a xaropada de anúncios que é a sua missão e modo de vida, transforma as TVs em casino, onde a repetição do “me liga vá” atinge números pornográficos, em coros gritados e desafinados, acompanhados em fundo por música pimba congelada.
Todos os dias se continua esse programa de gosto duvidoso, consumindo pessoas com ou sem talento, em esquemas e jogos qual deles o mais boçal.
Todos os dias, um friso bocejante de disponíveis baratos preenche o fundo dos sórdidos eventos, tentando dar-lhes uma aparência de vida, num playback inverosímil dos guinchos e gritinhos gravados com que se junta a poluição sonora ao lixo visível.
Todos os dias os 4 canais nos demonstram a sua redundância, copiando-se mutuamente, num simulacro de concorrência, onde até nos anúncios se sobrepõem e imitam.
Mas… eles insistem, porque há muita gente distraída.
Por isso o Benfica foi uma bênção para eles, e uma lição para nós.
Claro que, como de costume, todos os canais fizeram o mesmo, e todos gastaram as muitas horas disponíveis a embrulhar os anúncios, nos gritinhos e guincharias fornecidos de borla pelos eufóricos benfiquistas, sem necessidade de inventar qualquer forma de lixo complementar.
Aparecer na TV é a promoção indispensável para começar carreiras de “famosos”, e, enquanto não pinta uma oportunidade de concorrer ao lixo, vir para a rua gritar e saltar foi uma oportunidade que poucos quiseram perder.
Multidões sempre multiplicadas por 10 ou 20 e animadas pelo tónico da câmara nas proximidades, foram filmadas de norte a sul, a celebrar um pormenor matemático, pois o campeonato foi conquistado ao longo de meses, já se sabia há semanas, e só estará ganho, objectivamente, no fim, ou seja daqui a uns dias.
Mas que importa? Gritos e pulos reais, sem necessidade de importar figurinos, aturar figurões ou pagar figurantes, foram um maná para a excelentíssima trindade televisiva  e seus derivados.

Apenas uma falha – há bocado, no treino de dança, apareceu um cachecol, e a Jéssica, estava disponível para saltar e gritar para uma câmara que nunca apareceu. Queria, por isso, pedir aos benfiquistas de Viseu e Vila Pouca, que parecem ser os últimos dos que falta filmar, que se despachem, e deixem uma câmara vir a Turquel. A Jéssica já voltou para as aulas, mas deixou o cachecol, e até eu, mesmo sportinguista, não me importo de gritar e pular para sair na TV. E, modéstia aparte, tirando a minha mulher, sou o mais famoso cá de casa!

terça-feira, abril 01, 2014

A nova religião

Depois de milhares de anos a criar e substituir deuses, parecia que as religiões monoteístas tinham feito cair a moda em desuso. Capaz das maiores surpresas o Homem esmerou-se e criou o culto duma nova divindade.
Superando as religiões tradicionais, que, mesmo entre as se assumiram como universais, não conseguiram evitar algum regionalismo no seu culto, a nova religião espalhou-se bruscamente por toda a Humanidade, de norte a sul, de leste a oeste, não havendo povo ou país em que ela não esteja a tornar-se preponderante.
Trata-se do culto ao deus Mercados, suficientemente dominador para vergar ricos e pobres, simples e poderosos aos seus caprichos.
Algumas elites políticas estão rapidamente a ingressar na via sacerdotal, servindo e fazendo servir o deus Mercados, com absoluta fé e reverência.
Resta saber se irá surgir alguma forma de inquisição, para perseguir os hereges que juram que o deus Mercados é apenas dinheiro disfarçado, para que os povos se não apercebam dos seus demoníacos poderes e intenções.Há, no entanto, algum optimismo, que tal não venha a acontecer, pois a Fome, devota do deus Mercados, poderá ser o bastante para silenciar os recalcitrantes.

terça-feira, janeiro 21, 2014

Um aldeão em Lisboa



É bom viver na aldeia!

Ontem tive que ir a uma empresa de Lisboa, que, como tudo o que hoje é em Lisboa, ficava fora de Lisboa. Deram-me a morada de Páteo dos Leitões, em Alfragide, e, como apesar de velho não sou tão bota de elástico quanto isso, tratei de a introduzir no GPS. O malvado GPS respondeu-me que não conhecia, e, como a referência da morada já era um pouco antiga, admiti que os leitões tivessem crescido, e tentei Páteo dos Porcos. Nada feito. Em desespero de causa tentei o nome da empresa, e fui bem sucedido – ficava no Largo das Forças Armadas, em Alfragide. 
Pedi mentalmente desculpa aos meus amigos militares pelas eventuais conotações ofensivas da minha segunda tentativa, e lá fui. Cheguei com facilidade,e rumei ao número indicado, um prédio anónimo, com ar residencial, onde não vislumbrei porta, apenas um portão de garagem com campaínha que premi. Lá dentro ruído de máquinas indicava gente e trabalho no interior, pelo que insisti.
A porta abriu-se e enfrentei um aspirador com uma senhora atrás, que deram um pulo de susto quando me viram. Serenei a senhora, que serenou o aspirador,  e perguntei-lhes se era ali a empresa, tendo a resposta que já esperava - tinha sido, mas mudara, não sabia para onde.
Voltei ao carro e ao GPS, para recolher o telefone, na esperança de que, na mudança, tivessem mantido o número. Depois da inevitável rábula do  “Para se coçar, prima 2”, “para ver as vistas, prima 3”, “para qualquer coisa, prima ou cunhada tanto faz” premi o 1 que levava aos assuntos comerciais, o único botão de um call center que é geralmente atendido em segundos. 
E foi!
Fiquei a saber que tinham mudado... para 3 portas ao lado. E lá estava, de facto, a empresa, debaixo dum anúncio doutra firma completamente diferente.
Isto na aldeia não podia acontecer – não só a senhora conhecia todas a gente de várias ruas em redor, como os telefones ligam para gente além das primas, e  têm todos pessoas do lado de lá. 
O único risco, também ultrapassável, era a empresa ser localmente conhecida por alguma alcunha.