sábado, novembro 22, 2014

Sócrates e a ética

Sócrates detido, e o País ferve. Toda a gente comenta, especula e sentencia, mastigando e ruminando factos, opiniões e indícios, dissecando o imediato e óbvio, mas todos sem se darem ao trabalho da análise profunda que, eventualmente,  o caso justifica. Surpresa? Porquê?
Vivemos num País (ou mundo) onde a ética foi arquivada como obsolescência de velhos, substituída pelos valores comportamentais da moda, que determinam o sucesso a qualquer preço como o valor supremo. Alguém se pode surpreender que pessoas com a ambição que leva à carreira política, uma vez chegando ao poder, que sabem transitório, pela alternância, se afadiguem a usar esse poder, para cumprir os desígnios da moda?
Olhe-se à volta: será que na atividade que nos rodeia, mesmo legal, há ainda alguns resquícios de ética?
Vivemos do e para o consumo, arregimentados para as respectivas catedrais, enquanto discutimos os "méritos doutrinários" dos Continentes ou Pingos Doces, sem nos apercebermos da manipulação grosseira a que todos nos submetem. Será eticamente aceitável a forma como o merchandising organiza esses espaços, para nos condicionar a comprar o que nos querem vender, quer nos seja ou não necessário?
Será eticamente aceitável a manipulação dos carrinhos de compras, obrigando-nos a torcidas gincanas na sua condução, apenas porque os experts acham que os defeitos voluntariamente introduzidos nos induzem à compra?
Talvez!
Mas depois entram-nos em casa via televisão, atraindo-nos à armadilha com ruidosas mensagens anunciando grandes poupanças, apenas porque algures no 34º escaparate está um chouriço com 10ª de desconto, e isso, embora a engenharia financeira do chouriço torne a mensagem legal, poderá alguma vez ser eticamente relevado?
Que dizer dos anúncios de automóveis, onde a lei, para nos dar um mínimo de protecção obriga a incluir informação esclarecedora, e que todos os anunciantes sussurram numa louca correria, para garantir que ninguém entenda nada, e escapar ao braço da justiça, argumentando que a mensagem estava lá, embora na prática, de facto, não estivesse?
Que dizer das empresas de telecomunicações que destacam para nossas casas e locais de trabalho, jovens desesperados para daí levar uns papéis assinados, que representam o seu acesso a uma magra retribuição, e que impingem a qualquer preço, para depois virmos a descobrir que aquilo que contratámos geralmente diverge do que nos fora prometido?
Que dizer da nuvem de pequenos e grandes negócios que nos chegam a todos pelo telefone, que “não pode ser informado por escrito” e nos pressionam a comprar por impulso, desmontando e bloqueando qualquer tentativa de reflexão e ponderação?
Que dizer do abuso das letrinhas microscópicas, utilizadas para legalizar contratos e  negócios intencionalmente obscuros e imprecisos?
Que dizer das lojas que, pensando vender a 100, fazem de conta que marcam a 200, para poder anunciar permanentemente promoções de 50%? Ou mais?
Ética?
Não brinquem com gente moderna! Já passou! O que é preciso é entender os tempos, e ganhar dinheiro. Muito, e depressa.
Porque não na política? Dá poder, e geralmente acesso a grandes contas e negócios. Se não se for apanhado qual o problema?
Tinha muito mais a dizer, mas desculpem, vou ficar por aqui. Há um americano que quer comprar o mosteiro de Alcobaça, eu vou ver se consigo uma comissão, e como ele aceita pagar em Gibraltar, talvez me isente de declarar para o IRS.

Não posso perder!

segunda-feira, novembro 03, 2014

Novos avisos

A pouco e pouco a realidade vai-se impondo aos gestores da circunstância, empenhados em disputar as benesses sobrantes do devaneio consumista, enquanto o mundo se deteriora, e insistimos irresponsavelmente na condenação dos nossos descendentes.

A indispensável lucidez chega em postas, desligadas e desarticuladas, de molde a não forçar ninguém a reconhecer que o paradigma económico que comanda toda a humanidade corre para o fim da sua viabilidade, dessa forma, permitindo que, com mais ou menos preocupação de alguns, nada de essencial mude.

Desta vez é a ONU que no 5º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas põe o dedo na ferida que a muitos ainda não dói:

Ao fazer projecções para o futuro, os cientistas prevêem impactos severos e irreversíveis para a humanidade e para os ecossistemas. “Se não frearmos as mudanças climáticas, elas ampliarão os riscos já existentes e criarão novos riscos. Meios de vida serão interrompidos por tempestades, por inundações decorrentes do aumento do nível do mar e por períodos de seca e extremo calor. Eventos climáticos extremos podem levar a desagregação das redes de infraestrutura e serviços. Há risco de insegurança alimentar, de falta de água, de perda de produção agrícola e de meios de renda, particularmente em populações mais pobres. Há também risco de perda da biodiversidade dos ecossistemas”.
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O relatório enfatiza que, para frear as mudanças climáticas e gerenciar os seus riscos, é preciso que as nações promovam ações combinadas de mitigação e adaptação. “Reduções substanciais nas emissões de gases de efeito estufa nas próximas décadas podem diminuir os riscos das mudanças climáticas e melhorar a possibilidade de adaptação efetiva às condições existentes”. Os cientistas reconhecem, entretanto, que essas reduções demandarão mudanças tecnológicas, económicas, sociais e institucionais consideráveis.
Fonte: Agência Brasil

Somem-se os paradoxos duma economia assente na produção de excedentes (em que a pessoa humana é o primeiro e maior excedente, preferencialmente substituído por meios de produção capital-intensivos e natureza-destrutivos), e podemos prever o que os nossos netos irão pensar de nós, se e enquanto conseguirem sobreviver.

Desculpa Diogo, mas o teu avô nunca se conformou!