Sócrates detido, e o País ferve. Toda a gente comenta,
especula e sentencia, mastigando e ruminando factos, opiniões e indícios,
dissecando o imediato e óbvio, mas todos sem se darem ao trabalho da análise
profunda que, eventualmente, o caso justifica. Surpresa? Porquê?
Vivemos num País (ou mundo) onde a ética foi arquivada como
obsolescência de velhos, substituída pelos valores comportamentais da moda, que
determinam o sucesso a qualquer preço como o valor supremo. Alguém se pode
surpreender que pessoas com a ambição que leva à carreira política, uma vez
chegando ao poder, que sabem transitório, pela alternância, se afadiguem a usar
esse poder, para cumprir os desígnios da moda?
Olhe-se à volta: será que na atividade que nos rodeia, mesmo
legal, há ainda alguns resquícios de ética?
Vivemos do e para o consumo, arregimentados para as respectivas
catedrais, enquanto discutimos os "méritos doutrinários" dos Continentes ou
Pingos Doces, sem nos apercebermos da manipulação grosseira a que todos nos
submetem. Será eticamente aceitável a forma como o merchandising organiza esses
espaços, para nos condicionar a comprar o que nos querem vender, quer nos seja
ou não necessário?
Será eticamente aceitável a manipulação dos carrinhos de
compras, obrigando-nos a torcidas gincanas na sua condução, apenas porque os experts
acham que os defeitos voluntariamente introduzidos nos induzem à compra?
Talvez!
Mas depois entram-nos em casa via televisão, atraindo-nos à
armadilha com ruidosas mensagens anunciando grandes poupanças, apenas porque
algures no 34º escaparate está um chouriço com 10ª de desconto, e isso, embora
a engenharia financeira do chouriço torne a mensagem legal, poderá alguma vez
ser eticamente relevado?
Que dizer dos anúncios de automóveis, onde a lei, para nos
dar um mínimo de protecção obriga a incluir informação esclarecedora, e que
todos os anunciantes sussurram numa louca correria, para garantir que ninguém
entenda nada, e escapar ao braço da justiça, argumentando que a mensagem estava
lá, embora na prática, de facto, não estivesse?
Que dizer das empresas de telecomunicações que destacam para
nossas casas e locais de trabalho, jovens desesperados para daí levar uns
papéis assinados, que representam o seu acesso a uma magra retribuição, e que impingem
a qualquer preço, para depois virmos a descobrir que aquilo que contratámos geralmente
diverge do que nos fora prometido?
Que dizer da nuvem de pequenos e grandes negócios que nos
chegam a todos pelo telefone, que “não pode ser informado por escrito” e nos pressionam
a comprar por impulso, desmontando e bloqueando qualquer tentativa de reflexão
e ponderação?
Que dizer do abuso das letrinhas microscópicas, utilizadas
para legalizar contratos e negócios
intencionalmente obscuros e imprecisos?
Que dizer das lojas que, pensando vender a 100, fazem de
conta que marcam a 200, para poder anunciar permanentemente promoções de 50%?
Ou mais?
Ética?
Não brinquem com gente moderna! Já passou! O que é preciso é
entender os tempos, e ganhar dinheiro. Muito, e depressa.
Porque não na política? Dá poder, e geralmente acesso a
grandes contas e negócios. Se não se for apanhado qual o problema?
Tinha muito mais a dizer, mas desculpem, vou ficar por aqui.
Há um americano que quer comprar o mosteiro de Alcobaça, eu vou ver se consigo
uma comissão, e como ele aceita pagar em Gibraltar, talvez me isente de
declarar para o IRS.
Não posso perder!
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