terça-feira, abril 27, 2010

A Economia da Prescisão


Assistimos hoje aos primeiros passos de um novo modelo de sociedade a que poderemos chamar a Economia da Prescisão.

Depois de milénios de economia de subsistência, assistimos durante alguns séculos à evolução do mercantilismo, que veio a dar lugar à revolução industrial que em pouco mais de um século nos levou ao consumismo.

Alguma décadas depois, nova mudança se anuncia, confirmando a redução temporal dos ciclos, e a conhecida mas tendencialmente esquecida limitação dos recursos.

O consumismo construiu-se através do crescimento, em número e poder económico duma classe média, progressivamente instrumentalizada para acelerar a sua capacidade de consumo.

Esse processo está hoje em crise. Por razões que já abordei noutros artigos e não vou repetir, a classe média dos países consumistas está sob pressão, tendendo a regredir, quer em número quer em poder aquisitivo.

Enquanto nos países emergentes a classe média não atinge patamares de consumo que compense a quebra verificada nos países consumistas, a economia mundial arrefece e a crise generaliza-se, disfarçando sob a imagem dum problema mundial todos os problemas locais gerados pelo novo enquadramento económico.

Quando (se) a economia mundial retomar a dinâmica de crescimento, a situação de regressão económica em grande parte da sociedade consumista ficará sem disfarce, e tornar-se-á clara a necessidade de novos critérios de gestão familiar e empresarial, em que o objectivo deixa ser crescer mas aguentar.

Já há economistas a prever o regresso da economia de proximidade imposta pela esperada subida exponencial dos combustíveis e transportes, proporcionando oportunidades de relançamento de pequenos negócios e de retoma de produções tradicionais, hoje abandonadas pela inviabilidade de competição com os grandes negócios sem pátria, tornados nómadas em busca da mão-de-obra barata.

Talvez! Mas essa evolução não acontecerá sem sacrifícios tremendos, sem novos grande e pequenos dramas económicos, num processo que, curto ou longo, obrigará a uma gestão regressiva, com opções sistemáticas entre o que será de manter ou abandonar.

Prescindir é a palavra de ordem para os próximos tempos. Avaliar recursos, hierarquizar prioridades, retirar a prudência do baú das velharias para onde a euforia consumista a atirou, e… prescindir do menos essencial.

Seja País, seja empresa, seja família, o desafio tem hoje contornos diferentes, só uma boa e consciente gestão podendo evitar ou minorar os conflitos sociais ou familiares comuns num processo de recuo.

“As árvores nunca crescem até ao céu” é um velho princípio norteador dos investidores em Bolsa. Na Sociedade da Facilidade e Abundância gerada pelo consumismo, as árvores já chegaram lá acima, e o céu… já era.

sexta-feira, abril 09, 2010

A Recuperação

Estávamos nós já descontraídos, com a convicção de que a recuperação desejada e prometida pelos nosso lideres estava a chegar, quando, caídas as canas dos últimos foguetes por termos sido os primeiros a sair da recessão (caramba, quando é que alemães, franceses e outros começam a aprender conosco?), a realidade volta a acordar-nos.

Para o futuro próximo as expectativas de crescimento foram revistas, esperando-se agora um crescimento zero, ou menor.

Dito em português corrente, a recessão continua, e a crise agudiza-se, por se terem já ultrapassado os limites prudentes da intervenção social. Ou seja, se até aqui doeu aos mais de meio milhão de portugueses que perderam o emprego, agora vai doer mais: Mais aos mesmos, que não vão conseguir o sonhado regresso à vida activa, e mais aos outros, a quem já foi garantida uma ida aos bolsos, tímida, por enquanto, mas com grande vocação para crescer. Inevitavelmente.

Estados Unidos e Europa continuam a assobiar para o lado, como se fosse ainda possível tratar o momento que se vive como um ligeiro acidente de percurso, no caminho do progresso e justiça social, e não uma alteração radical no paradigma e modelo macro económico, a exigir novos conceitos e regulamentações.

Quando há quase dois anos escrevi "As árvores que escondem a floresta" traçando o cenário que se vive (melhor dizendo, começou a viver-se), fui apelidade de catastrofista. Infelizmente, cada uma das palavras e das ideias se afigura cada vez mais pertinente.

Neste fanado jardim à beira-mar plantado, fecha-se, liquida-se, abandona-se, tudo subordinado ao cultivo da monocultura tornada imperativo nacional - o optimismo militante.

Alguém adivinha que frutos vai dar esta monocultura?