Faz-me pena o esforço inglório de tanta gente bem-intencionada,
que se esfalfa a discutir os pormenores da crise que avassala o mundo, em particular
o nosso País, e a sugerir medidas, entre a excelência e o disparate, mas todas
igualmente condenadas ao malogro.
O grande problema, o verdadeiro problema, não se trata de
desequilíbrios pontuais, de erros isolados, de carências específicas. O problema
é que o mundo, no seu todo, ESTÁ AO AVESSO.
Nos livros, nos princípios, nas constituições, há uma
prioridade de valores e interesses hierarquizados, que fundamentam as opções e
linhas estratégicas – tudo se inverteu.
Aprendemos o que parecia óbvio, na escala de valores:
1 – O que conta são as pessoas
2 – A economia é o conjunto de
acções e directrizes que controlam a produção, distribuição e utilização de
bens e serviços, em benefício dessas mesmas pessoas.
3 – O dinheiro é um instrumento
criado para servir a economia, servindo como referência e padrão.
Bem… isso era dantes! Tudo agora se inverteu:
1 – “O que conta são os
resultados”, ou seja… o dinheiro.
2 – A Economia é hoje um mero
instrumento ao serviço dos imperativos genéticos do dinheiro – reproduzir-se e
concentrar-se.
3 – As pessoas são hoje simples
peões da Economia, usadas para produzir ou consumir consoante as prioridades e
interesses do dinheiro, numa ou noutra actividade facilmente descartáveis
através do desemprego ou dos cortes de rendimentos.
Não faz, por isso, qualquer sentido questionar a acção de
governos que nada mandam, obrigados a obedecer a troikas, que por sua vez, nada
mais são do que outras serventuárias do todo-poderoso dinheiro, embora a um
nível hierárquico superior aos governos.
Por isso as políticas são, naturalmente, o inverso do que os
valores originais, ainda na cabeça da maioria das pessoas, aconselharia.
Há um problema do mundo, fruto do desequilíbrio financeiro gerado
pelo descontrole na multiplicação do dinheiro. Esse desequilíbrio ameaça a economia.
Solução?
As pessoas não comem notas ou moedas, e, por isso, a lógica
apontaria para uma pressão sobre o universo financeiro para se autocontrolar e corrigir
os desequilíbrios, preservando o mais possível as economias. O que se faz, de
facto?
Exactamente o contrário - pressionar e esmagar a economia,
para suprir e compensar os erros financeiros. Alguém acredita que isso seja
solução?
Compara-se a dívida do Estado com o Produto Nacional Bruto,
para verificar a sua solvabilidade. Tecnicamente correcto, mas… e o resto? O PNB
financia o Estado mas também o Povo, as suas actividades, os seus negócios, os
seus créditos. Alguém fez contas para saber quantas décadas levaria o PNB a pagar
a “Dívida Nacional Bruta”?
Alguém imagina que o “Produto Mundial Bruto” chega para
pagar uma fracção significativa dos juros da “Dívida Mundial Bruta”?
Ninguém perde tempo a reflectir que esta coisa dos créditos
gigantescos não passa dum utópico artifício de antecipação do consumo dum
futuro que é cada vez menos provável virmos a ter?
Ninguém se apercebe que o simples dilema “OU O HOMEM DOMINA
E CONTROLA O DINHEIRO, OU O DINHEIRO DESTRÓI A HUMANIDADE” é o verdadeiro problema,
tornado ÚNICO pela sua universal dimensão?
Alguém se preocupa com o facto da sociedade de consumo estar
ao serviço do dinheiro e não do homem, tendendo, em caso de sucesso absoluto, a
tornar o Mundo num planeta inabitável, com cifras gigantescas de inútil
dinheiro numa qualquer rede de computadores, oficialmente num também inabitável
“paraíso fiscal?”
Quando a sociedade de consumo corre mal gera o problema que
vivemos. E se correr bem?
Imagine-se um cenário idílico em que tudo corre bem, todos
progridem e enriquecem, Europa e América são ricos, China continua a crescer na
base dos dois dígitos, Brasil, India e outros tornam-se potências mundiais e
grandes consumidores, e até os países hoje esfomeados e em guerra se pacificam
e progridem. O que aconteceria ao mundo?
Alguém acredita que seria habitável? Com o esgotar dos
recursos, e o crescimento exponencial das barbaridades ecológicas, já hoje,
apesar de cuidadosamente escondidas, a matar milhões, alguém sobreviveria?
A lógica consumista é possível para alguns à custa dos
outros, mas é inviável para todos, tornando uma perigosa mentira os aparentes
fundamentos éticos da globalização.
Então o que esperam os líderes do mundo para começar a
conceber a sociedade pós-consumismo, a única que permite sonhar a sobrevivência
humana?
Como se pode aceitar os hossanas que continuam a cantar-se à
sociedade de consumo, que objectivamente se limita a juntar o inútil ao
desagradável (torna as pessoas infelizes, enquanto destrói o planeta)?
Como se pode explicar o silêncio em torno da flagrante
correspondência inversa entre o crescimento do consumismo e dos níveis de
felicidade, sem reconhecer a bajulação a sua excelência o dinheiro?
CHEGA DE PORMENORES. VAMOS AOS PORMAIORES.
PS –Acabei este texto ao som da televisão, que anunciava mais
uma greve nos transportes. Está certo. Num mundo às avessas o sindicalismo não
fez mais do que adaptar-se, e funcionar… às avessas.
Agora a greve já não é um instrumento de defesa do trabalho
face ao capital, mas entrou na onda – facilitar a acumulação do dinheiro.
Entende-se, por isso, que alguns privilegiados pressionem o
Estado a manter-lhes ou reforçar-lhes os privilégios, através duma luta em que
a vítima é o Povo, o tal Povo que, embora ninguém confesse, deixou de contar.