quarta-feira, novembro 27, 2013

Querida Televisão

Assisti há pouco, no café, a um programa que nunca tinha visto, chamado Querida Júlia. Acontece que sou um pouco surdo (uma vantagem quando se tem a TV portuguesa), e, no meio da algazarra, sabendo que não tirava uma, desisti de ouvir e concentrei-me num outro sentido também já um pouco desgastado, mas ainda eficaz – a vista.
Na televisão, algumas garotas da terra, concorrentes doutro programa que julgo chamar-se Factor X, eram convidadas da Querida Júlia, e cumpriam fielmente as expectativas de irem intercalando algumas palavras no chorrilho que a Querida debitava sem desfalecimento.
Do lado de cá uma mãe, tias e amigas, viviam com entusiasmo o momento, ou seja, falavam todas ao mesmo tempo, de maneira a não ter que se ouvir umas às outras (não era necessário, todas diziam o mesmo) nem à Querida Júlia, cujo linguajar se limitava a despoletar nas garotas um sorriso entre o embaraço e o gozo.
De 33 em 33 segundos uma plateia de 14 pessoas (salvo erro) de plástico de boa qualidade, irrompia em palmas, não percebi se para as garotas, se para a Querida, se para as distantes tias e amigas.
À quarta salva de palmas, a 5ª pessoa da fila acordou estremunhada e quase caiu, o que levou o realizador a por o grupo de castigo, fazendo a ola. Um belíssimo efeito, uma multidão de 14 pessoas a levantar-se em ondas alterosas, apenas prejudicado pela 9º elemento que aproveitou a oportunidade para se espreguiçar, julgando chegada a hora de receber o cachet, e quebrou o ritmo.
Claro que a Querida nem se apercebeu e prosseguiu no monólogo, testemunhado pelas indefesas crianças, e pelas tias e amigas, até que chegou a hora de tomarmos a pastilha, e os anúncios tomaram conta da situação.
Nada que tenha incomodado tias e amigas, que deram ao silêncio da Querida a mesma atenção que às palavras. Ótimo para o painel de plástico, que foi lá fora verter águas e tédio, antes de voltar para dentro revigorado, para vibrar com o próximo Querido.
Querida Televisão Portuguesa! Porque não ensinas o segredo aos taxistas que te aparecem no telejornal, desesperados pela falta de clientes?
Era simples! Em vez de cobrarem a viagem aos clientes, paguem-lhes para se deixarem transportar. Terão carros cheios, e talvez alguns aceitem ir mandando uns gritinhos tipo “ viva o taxista português”, e fazendo olas no banco de trás.
Que animação para as ruas de Portugal!

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Figo . tou aqui!

Causou profunda agitação no café cá da aldeia a notícia de que Figo se prepara para assumir a presidência do Sporting, com um ordenado de 100 000€ por mês (deixa lá contar os zeros não esteja eu a meter água - tá certo!)

Perante as gargalhadas (invejosas) dos lampiões, os leões, geralmente muito unidos (pois!) dividiram-se: Uns entendiam que, depois de gastar milhões a comprar craques para o banco, comprá-los para os camarotes era um desperdício. Outros, pelo contrário entusiasmavam-se com a ideia e o sportinguismo do Figo, que aceitava receber por mês um valor que não dava para o pão com manteiga dalguns pequenos almoços a que se habituou.

Deixemo-nos de discussões - é de unidade que estamos carecidos, e por isso coloco-me incondiconalmente ao serviço do Figo, deixando-o escolher a minha função, para o que lhe forneço desde já a minha tabela de expectativas:

Vice-presidente 50 000 €
Outro cargo dirigente - 30 000 €
Treinador de qualquer coisa 20 000 €
Motorista - 15 000€
Assessor (dele ou doutro) - 10 000 €

Se não houver já nenhuma dessas vagas, até aceito engraxador (7 500 €) desde que o clube forneca a graxa e escovas, e, garanto, estou mesmo disponível para me fazer sócio.

Força Figo,  viva el... o... ai... quem?

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

O Mundo às avessas


Faz-me pena o esforço inglório de tanta gente bem-intencionada, que se esfalfa a discutir os pormenores da crise que avassala o mundo, em particular o nosso País, e a sugerir medidas, entre a excelência e o disparate, mas todas igualmente condenadas ao malogro.
O grande problema, o verdadeiro problema, não se trata de desequilíbrios pontuais, de erros isolados, de carências específicas. O problema é que o mundo, no seu todo, ESTÁ AO AVESSO.
Nos livros, nos princípios, nas constituições, há uma prioridade de valores e interesses hierarquizados, que fundamentam as opções e linhas estratégicas – tudo se inverteu.
Aprendemos o que parecia óbvio, na escala de valores:
1 – O que conta são as pessoas
2 – A economia é o conjunto de acções e directrizes que controlam a produção, distribuição e utilização de bens e serviços, em benefício dessas mesmas pessoas.
3 – O dinheiro é um instrumento criado para servir a economia, servindo como referência e padrão.
Bem… isso era dantes! Tudo agora se inverteu:
1 – “O que conta são os resultados”, ou seja… o dinheiro.
2 – A Economia é hoje um mero instrumento ao serviço dos imperativos genéticos do dinheiro – reproduzir-se e concentrar-se.
3 – As pessoas são hoje simples peões da Economia, usadas para produzir ou consumir consoante as prioridades e interesses do dinheiro, numa ou noutra actividade facilmente descartáveis através do desemprego ou dos cortes de rendimentos.
Não faz, por isso, qualquer sentido questionar a acção de governos que nada mandam, obrigados a obedecer a troikas, que por sua vez, nada mais são do que outras serventuárias do todo-poderoso dinheiro, embora a um nível hierárquico superior aos governos.
Por isso as políticas são, naturalmente, o inverso do que os valores originais, ainda na cabeça da maioria das pessoas, aconselharia.
Há um problema do mundo, fruto do desequilíbrio financeiro gerado pelo descontrole na multiplicação do dinheiro. Esse desequilíbrio ameaça a economia. Solução?
As pessoas não comem notas ou moedas, e, por isso, a lógica apontaria para uma pressão sobre o universo financeiro para se autocontrolar e corrigir os desequilíbrios, preservando o mais possível as economias. O que se faz, de facto?
Exactamente o contrário - pressionar e esmagar a economia, para suprir e compensar os erros financeiros. Alguém acredita que isso seja solução?
Compara-se a dívida do Estado com o Produto Nacional Bruto, para verificar a sua solvabilidade. Tecnicamente correcto, mas… e o resto? O PNB financia o Estado mas também o Povo, as suas actividades, os seus negócios, os seus créditos. Alguém fez contas para saber quantas décadas levaria o PNB a pagar a “Dívida Nacional Bruta”?
Alguém imagina que o “Produto Mundial Bruto” chega para pagar uma fracção significativa dos juros da “Dívida Mundial Bruta”?
Ninguém perde tempo a reflectir que esta coisa dos créditos gigantescos não passa dum utópico artifício de antecipação do consumo dum futuro que é cada vez menos provável virmos a ter?
Ninguém se apercebe que o simples dilema “OU O HOMEM DOMINA E CONTROLA O DINHEIRO, OU O DINHEIRO DESTRÓI A HUMANIDADE” é o verdadeiro problema, tornado ÚNICO pela sua universal dimensão?
Alguém se preocupa com o facto da sociedade de consumo estar ao serviço do dinheiro e não do homem, tendendo, em caso de sucesso absoluto, a tornar o Mundo num planeta inabitável, com cifras gigantescas de inútil dinheiro numa qualquer rede de computadores, oficialmente num também inabitável “paraíso fiscal?”
Quando a sociedade de consumo corre mal gera o problema que vivemos. E se correr bem?
Imagine-se um cenário idílico em que tudo corre bem, todos progridem e enriquecem, Europa e América são ricos, China continua a crescer na base dos dois dígitos, Brasil, India e outros tornam-se potências mundiais e grandes consumidores, e até os países hoje esfomeados e em guerra se pacificam e progridem. O que aconteceria ao mundo?
Alguém acredita que seria habitável? Com o esgotar dos recursos, e o crescimento exponencial das barbaridades ecológicas, já hoje, apesar de cuidadosamente escondidas, a matar milhões, alguém sobreviveria?
A lógica consumista é possível para alguns à custa dos outros, mas é inviável para todos, tornando uma perigosa mentira os aparentes fundamentos éticos da globalização.
Então o que esperam os líderes do mundo para começar a conceber a sociedade pós-consumismo, a única que permite sonhar a sobrevivência humana?
Como se pode aceitar os hossanas que continuam a cantar-se à sociedade de consumo, que objectivamente se limita a juntar o inútil ao desagradável (torna as pessoas infelizes, enquanto destrói o planeta)?
Como se pode explicar o silêncio em torno da flagrante correspondência inversa entre o crescimento do consumismo e dos níveis de felicidade, sem reconhecer a bajulação a sua excelência o dinheiro?
CHEGA DE PORMENORES. VAMOS AOS PORMAIORES.
PS –Acabei este texto ao som da televisão, que anunciava mais uma greve nos transportes. Está certo. Num mundo às avessas o sindicalismo não fez mais do que adaptar-se, e funcionar… às avessas.
Agora a greve já não é um instrumento de defesa do trabalho face ao capital, mas entrou na onda – facilitar a acumulação do dinheiro.
Entende-se, por isso, que alguns privilegiados pressionem o Estado a manter-lhes ou reforçar-lhes os privilégios, através duma luta em que a vítima é o Povo, o tal Povo que, embora ninguém confesse, deixou de contar.

quinta-feira, janeiro 31, 2013

Kaninchen's Kampft


“Geld ubber alles”.

A economia, como instrumento ao serviço do Geld, usa, nos seus processos correntes, um ingrediente chamado Pessoas.

Os Pessoas são uma fauna complexa e manipulável, usada para processar toda a espécie de materiais de que a economia se socorre para multiplicar e concentrar o Geld. Têm a vantagem da versatilidade – processam tudo com eficiência – mas têm a desvantagem de se desgastar com o uso, reduzindo bastante a sua utilidade a partir dos 50 anos de utilização.

Dada a facilidade com que se reproduzem, é hoje possível uma acção selectiva, eliminando os excedentes.

Segmentando a espécie Pessoas podemos dividi-los em três categorias:

       Crianças
       Adultos
       Velhos

Os únicos verdadeiramente importantes para o serviço do Geld são os Adultos, usados na produção e outras formas de multiplicação do Geld, mas o grupo Crianças é também interessante, não só como investimento – serão os Adultos de amanhã – mas porque são facilmente usados na manipulação dos Adultos para o consumo, dados os laços afectivos que, estranhamente, conseguem com eles estabelecer.

O verdadeiro problema para resolver são os Velhos. Descartados do processo económico, não só consomem pouco, como reflectem muito, criando, frequentemente, entropia no grupo dos Adultos já de si difícil de conduzir em múltiplas circunstâncias.

A extinção do grupo Velhos, ou a sua redução a um valor residual, é, assim, um importante objectivo de gestão, e um estratégico serviço que o Geld, seguramente, não deixará de reconhecer (com um bom emprego futuro, espero, pois a atribuição de bónus, embora mais prática e imediata, poderia levantar outros problemas).

Qual a metodologia a empregar?

1 - Segmentação

Os Velhos dividem-se em dois grandes grupos – o Maioritário, que se encontra abaixo do limiar de sobrevivência, e o Minoritário, situado acima desse patamar.

2 – Acção para o extermínio do grupo Maioritário

a) Restringir o acesso aos cuidados de saúde
b) Aumentar os custos da alimentação e energia
c) Congelar as fontes de rendimento (pensões)
d) Aguardar que a natureza faça o resto

3 – Acção para o extermínio do grupo Minoritário
a) Usar o almofariz do orçamento do Estado para esmagar o mais possível a margem que os coloca acima do limiar de sobrevivência
b) Aplicar a metodologia 1

NOTA – Dado o elevado número de velhos deve o Ministério da Ciência e Tecnologia entregar a uma universidade o estudo de alternativas aos dispendiosos funerais, se possível encontrando soluções que permitam reciclar os Velhos, talvez como rações para animais, ou qualquer outra solução rentável para o nosso líder.

Heil Geld!