terça-feira, dezembro 30, 2008

Floresta devastada

Vinha eu a levantar algumas questões sobre o processo económico para que a sociedade ocidental parecia arrastada, quando decidi parar: ou eu tinha razão e iria estrondear uma crise aguda, ou não, e seria irrelevante continuar.

A crise veio mesmo, reforçando a sensação de inevitabilidade que me parecia evidente.

Está o mundo em alvoroço, percebe-se que a sociedade da facilidade e irresponsabilidade chegou ao fim, mas ninguém conseguiu ainda antever o que se lhe seguirá. Tenta-se encontrar o caminho com menos escolhos e sacrifícios, mas ninguém sabe muito bem para onde, acolhendo-se toda a gente ao conforto da esperança de que “isto” não tenha passado de mais um sobressalto, maior que o costume, mas natural numa economia que se sonha fadada a conduzir-nos a todos para melhor.

Importa reconhecer que, até agora, a economia ocidental se limitou a receber soro e balões de oxigénio. A verdadeira terapia não foi sequer definida.

Fala-se na protecção do emprego (claro!) mas as medidas anunciadas são apenas paliativas, geradoras de pequenos incrementos num processo estabilizado, mas insuficientes num processo em degradação.

Malha-se no cravo e na ferradura, quando se anuncia que é preciso facilitar o crédito para dinamizar a economia, e restringi-lo para prevenir a repetição dos desequilíbrios que se verificaram.

Há a esperança Obama, para já apenas uma esperança.

No meu texto “As árvores que tapam a floresta” prometia sugerir pistas de intervenção, com a consciência de não haver milagres, e de haver, seguramente, gente muito mais competente e informada do que eu para apontar o caminho. Mas o caminho faz-se caminhando, e cada um pode e deve dar o seu contributo, por menos relevante que seja. É isso que me proponho fazer.

Parece-me claro que a deslocalização de negócios é o trunfo usado pela economia para neutralizar o efeito regulador dos sindicatos, neutralização essa que está a esmagar as classes médias e os equilíbrios económicos nos países mais ricos. É aí que urge agir.

Para fixar territorialmente um maior número de negócios, para efectivamente proteger o emprego, é preciso reformular muito profundamente, toda a economia, direito laboral e mesmo fiscalidade.

A título de exemplo, e como instrumento de reflexão, atrevo-me a sugerir uma bateria de 10 medidas “loucas”… mas talvez não!

1 – Aumento do IVA, na União Europeia, em, pelo menos, 5% (calma! Esperem pelo resto);

2 – Aumento simultâneo, na mesma percentagem, de salários, pensões e rendas habitacionais;

3 – Contabilização desse aumento de IVA como receita da Segurança Social (com mais uma tranche variável, a definir por cada país);

4 - Redução das contribuições das empresas para a Segurança Social para um valor entre 0 e 10%, a definir abatendo aos 10% o resultado do quociente entre o peso salarial no volume de negócios da empresa e o respectivo leque salarial;

5 – Liberalização dos despedimentos, mantendo-se apenas a penalização das empresas no despedimento de representantes dos trabalhadores, que passará a ser paga à Segurança Social e não ao despedido;

6 – Extinção das indemnizações por despedimento;

7 – Obrigação para as empresas de contabilizarem, mensalmente, um aumento de capital no montante de 8% dos salários pagos, que passará a ser propriedade dos trabalhadores na proporção dos respectivos salários;

8 – Controlo rigoroso do crédito ao consumo;

9 – Taxação progressiva de todas as operações com off-shores, até à sua inviabilização total.

10 – Reforço da punição da publicidade enganosa, e proibição de publicidade condicionadora.

Uma revolução? Claro!
Mas alguém pensa que isto lá vai com “incentivos”?

Talvez volte, mais logo, a clarificar os porquês das medidas elencadas. Deixo, no entanto, algumas pequenas questões que ajudam a perceber a maioria delas:

“Protecção do emprego” – Uma empresa não pode despedir UM trabalhador; a solução actual, para se ver livre de uma “ovelha ronhosa” é… despedir muitos!

“Tenho 50 empregados, a quem pago um total de 50.000 €, contribuindo para a Segurança Social (SS) com cerca de 12.000 €. Vou comprar máquinas para expandir o negócio (ou transferi-lo para Marrocos), escolhendo 5 dos trabalhadores e despedindo os outros 45. O que me faz o Estado? Premeia-me: deixo de pagar 12000€ para a SS e passo a pagar 1.200 €. Obrigado!”

“Motivação” – Se as “stock options” funcionam com os quadros, porque não com a generalidade dos trabalhadores’?

“Deslocalização” – haverá melhor forma de a combater do que a ligação do pessoal à gestão, e a penalização dos negócios vindos de fora?

“Indemnizações” – Direito “teórico” de que a generalidade dos trabalhadores não beneficia, porque quando chega a hora não há recursos.

“Off-shores” – Os “pequenos” dinheiros cumprem obrigações sociais (fiscais). Porquê proteger os “grandes”?

“Gastar até o que se não tem, para comprar o que não se precisa” – Será legítimo a liberdade condicionadora da actual publicidade?

E mais não digo. Para já!

segunda-feira, dezembro 29, 2008

Os lumbopatas

LumbopatiaDoença contagiosa que afecta autarcas, em particular os terceiro-mundistas, caracterizada por uma obsessão maníaco-destrutiva, que leva a espatifar estradas através da construção de obstáculos de altura variável, mas sem impedir completamente o trânsito.
Desconhecem-se meios de tratamento e cura, pelo que se aconselha o uso cuidadoso do voto para remover os contaminados.

Questão prévia – sou RADICALMENTE contra as lombas. Os menos irresponsáveis dos lumbopatas não se esquecem de sinalizar as suas “obras de arte” com um sinal de perigo. Fazem bem! As lombas são perigosas. Constituem, sem dúvida um factor de risco, e é absolutamente inaceitável que se gaste dinheiro do erário público (ou outro, mas sobretudo esse) para construir factores de risco. Os dinheiros públicos devem servir para a eliminação de factores de risco, nunca para a sua construção. E ponto final.

Naturalmente que os lumbopatas e seus defensores alinham argumentos que consideram de peso. Julgo que pesam pouco!

Alguns dos argumentos que tenho ouvido:

“As lombas são um pequeno risco, que serve para eliminar riscos maiores”.

Será um argumento plausível, mas muito frágil. Desde logo porque não há (pelo menos não conheço) factor de comparação entre os riscos antes e depois da lomba. É certo que a diminuição da velocidade imposta pela lomba reduz riscos de atropelamento na travessia dos peões, mas aumenta-lhes o risco de serem colhidos, até nos passeios, por veículos despistados. Fica por demonstrar se o saldo global é positivo ou negativo para os peões. Como para os cidadãos nos veículos (é verdade, dentro dos automóveis também há cidadãos, exactamente com os mesmos direitos dos outros, coisa que muita gente”esquece”) os riscos são grandes e sem contrapartidas, as lombas, são, globalmente contra-producentes.

“Automobilista que cumpra não tem problema com as lombas”

Falacioso!
Daria para responder ao mesmo nível – peão que cumpra, circule pelo passeio e olhe cuidadosamente para ambos os lados, atravessando só quando não vierem carros, também não tem problemas, mesmo com carros a 100 à hora.

Mas, o problema, é que a afirmação não é verdadeira. Já saltei lombas com o quadradinho azul a aconselhar-me 30 Km/h, abaixo dessa velocidade, e com o carro a bater. Se nos lembrarmos que o automobilista tem o direito de ignorar conselhos, podendo, legalmente, circular até aos 49 km/h, se entenderá o abuso da medida e a falta de sentido do argumento.

“As lombas são legais”

Talvez!
Ao contrario do que muitos pensam, a lei não defende as lombas, apenas as tolera, desde que dentro de limites muito rígidos. A lei começa por impor que a lomba seja uma medida excepcional. Ora aquilo a que se assiste, lombas a nascerem como cogumelos, generalizando-se, viola a lei – a excepção está a tornar-se regra, e isso é ilegal!

Mas há mais: ao tolerar as lombas a lei impõe formas e dimensões máximas ou mínimas, que não podem ser ultrapassadas. Nada disso é respeitado, podendo até dizer-se que se verifica uma proporção inversa entre lumbopatas e lombas – quanto menor o autarca, maior a lomba.

Esquecem-se os lumbopatas que os tais cidadãos utentes de veículos, não perdem, por esse facto, nenhum dos direitos de cidadania. Esquecem-se também de que as leis não se limitam a proibir e restringir, mas também conferem direitos. A mesma lei que proíbe o automobilista de circular a 50 Km por hora numa localidade, confere-lhe o direito de o fazer a 49 km/h. Se alguém, voluntariamente, construir obstáculo que ponha em risco a sua segurança ou património, no exercício de um direito conferido por lei, está a cometer… um crime - uma coisa é legislar no sentido de reduzir ainda mais os limites fixados, outra bem diferente é armadilhar o uso concedido pela lei.

Tudo se resume, afinal a isso – para reduzir as transgressões de excesso de velocidade, recorre-se a medidas duvidosas, no limite… criminosas.

Mas ninguém se preocupa, porque a lumbopatia está na moda. Se eu estacionar a minha viatura numa lomba (transgressão), não tardarei a ser multado, ou a ter que ir buscar o carro à Polícia. Mas se a lomba não respeitar a lei (crime), ninguém pede contas a ninguém.

Até que um automobilista lesado resolva avançar com um processo-crime contra o lumbopata!