terça-feira, abril 22, 2014

Benfica da Manhã

Caro engº Paulo Fernandes
Antes de mais nada permita-me que, em texto que provavelmente nunca lerá, lhe mande um abraço, para suavizar uma reclamação.


Sou leitor assíduo do seu Correio da Manhã, o jornal mais útil e fácil de ler, desde que se conheça a técnica conveniente, e que não me custa ensinar aos que se atreverem a ler-me:

Abre-se o jornal ao meio, e escorre-se a primeira parte, podendo aproveitar-se o sangue para morcelas ou uma cabidela. Espreme-se depois a segunda parte em separado, pois o silicone que escorre só serve para fins industriais, normalmente construção civil ou de corpos desenhados por catálogo. Depois de bem seco, o jornal lê-se em 5 ou 10 minutos sem esforço, e sem risco de se sujar.

Mas na segunda-feira correu mal – ao espremer a primeira parte, o sangue tinha um aspecto estranho, dum vermelho muito mais vivo que vim a confirmar ser tinta de camisolas made in RPC (até o milionário futebol, meu Deus…).
Foram 16 páginas sobre o Carnaval da Luz, o que já não é mau, mas, caro engenheiro, não se justificaria uma edição especial?
Nota – Faça-a! Ainda vai a tempo, e aproveita para gastar o stock da tinta vermelha, pois parece que nos próximos anos o verde é mais trendy.


Parabéns Benfica

Duplos parabéns, pelo título, e pela demonstração da nódoa que é a televisão portuguesa.
Todos os dias, a necessidade de manter o pagode de boa aberta para engolir a xaropada de anúncios que é a sua missão e modo de vida, transforma as TVs em casino, onde a repetição do “me liga vá” atinge números pornográficos, em coros gritados e desafinados, acompanhados em fundo por música pimba congelada.
Todos os dias se continua esse programa de gosto duvidoso, consumindo pessoas com ou sem talento, em esquemas e jogos qual deles o mais boçal.
Todos os dias, um friso bocejante de disponíveis baratos preenche o fundo dos sórdidos eventos, tentando dar-lhes uma aparência de vida, num playback inverosímil dos guinchos e gritinhos gravados com que se junta a poluição sonora ao lixo visível.
Todos os dias os 4 canais nos demonstram a sua redundância, copiando-se mutuamente, num simulacro de concorrência, onde até nos anúncios se sobrepõem e imitam.
Mas… eles insistem, porque há muita gente distraída.
Por isso o Benfica foi uma bênção para eles, e uma lição para nós.
Claro que, como de costume, todos os canais fizeram o mesmo, e todos gastaram as muitas horas disponíveis a embrulhar os anúncios, nos gritinhos e guincharias fornecidos de borla pelos eufóricos benfiquistas, sem necessidade de inventar qualquer forma de lixo complementar.
Aparecer na TV é a promoção indispensável para começar carreiras de “famosos”, e, enquanto não pinta uma oportunidade de concorrer ao lixo, vir para a rua gritar e saltar foi uma oportunidade que poucos quiseram perder.
Multidões sempre multiplicadas por 10 ou 20 e animadas pelo tónico da câmara nas proximidades, foram filmadas de norte a sul, a celebrar um pormenor matemático, pois o campeonato foi conquistado ao longo de meses, já se sabia há semanas, e só estará ganho, objectivamente, no fim, ou seja daqui a uns dias.
Mas que importa? Gritos e pulos reais, sem necessidade de importar figurinos, aturar figurões ou pagar figurantes, foram um maná para a excelentíssima trindade televisiva  e seus derivados.

Apenas uma falha – há bocado, no treino de dança, apareceu um cachecol, e a Jéssica, estava disponível para saltar e gritar para uma câmara que nunca apareceu. Queria, por isso, pedir aos benfiquistas de Viseu e Vila Pouca, que parecem ser os últimos dos que falta filmar, que se despachem, e deixem uma câmara vir a Turquel. A Jéssica já voltou para as aulas, mas deixou o cachecol, e até eu, mesmo sportinguista, não me importo de gritar e pular para sair na TV. E, modéstia aparte, tirando a minha mulher, sou o mais famoso cá de casa!

terça-feira, abril 01, 2014

A nova religião

Depois de milhares de anos a criar e substituir deuses, parecia que as religiões monoteístas tinham feito cair a moda em desuso. Capaz das maiores surpresas o Homem esmerou-se e criou o culto duma nova divindade.
Superando as religiões tradicionais, que, mesmo entre as se assumiram como universais, não conseguiram evitar algum regionalismo no seu culto, a nova religião espalhou-se bruscamente por toda a Humanidade, de norte a sul, de leste a oeste, não havendo povo ou país em que ela não esteja a tornar-se preponderante.
Trata-se do culto ao deus Mercados, suficientemente dominador para vergar ricos e pobres, simples e poderosos aos seus caprichos.
Algumas elites políticas estão rapidamente a ingressar na via sacerdotal, servindo e fazendo servir o deus Mercados, com absoluta fé e reverência.
Resta saber se irá surgir alguma forma de inquisição, para perseguir os hereges que juram que o deus Mercados é apenas dinheiro disfarçado, para que os povos se não apercebam dos seus demoníacos poderes e intenções.Há, no entanto, algum optimismo, que tal não venha a acontecer, pois a Fome, devota do deus Mercados, poderá ser o bastante para silenciar os recalcitrantes.