quarta-feira, novembro 24, 2010

Greve Geral

Excelentíssimo Senhor Primeiro-Ministro de Portugal


Excelentíssimos Senhores Presidentes da CGTP e UGT

Hoje, dia da greve geral de 24 de Novembro, estou a trabalhar.

Faço-o com um duplo constrangimento: pela primeira e talvez última vez numa já longa vida de trabalho ponderei seriamente a ideia de aderir à greve. Decidi não o fazer, e essa decisão terá pesado em alguns elementos da minha equipa, a quem nada pedi nem sugeri, mas que, por lealdade e confiança que me sensibilizam, decidiram seguir-me.

A favor da greve pesava a consciência de que os desmandos de governações irresponsáveis que nos levaram euforicamente para o abismo, justificam o grito colectivo de protesto e condenação que esta greve representa.

Em reforço dessa consciência a dúvida de que a União Europeia consiga redefinir rumos de progresso sem o estímulo das agitações de rua que por essa Europa fora convençam os políticos de que os tempos das negociatas fáceis de poderes e influências estão a terminar, e é hora de repensar modelos de organização e níveis de eficiência.

Mas do outro lado da balança o peso era maior:

Desde logo a convicção de que o futuro só se construirá com muito trabalho, e essa, sendo responsabilidade de todos, também o é minha, e não a enjeito.

Depois a noção de que a degradação de vida na Europa e em Portugal que apenas começou, vai exigir muito mais esforços, sacrifícios e lutas, sendo esta greve algo de extemporâneo, mais parecendo um queimar de munições antes do combate. O grito de Portugal é, na Europa, um sussurro, de nada valendo antes que em Liverpool, Milão ou Dusseldorf vozes mais grossas digam aos políticos europeus que já basta.

Mas, mais grave ainda, esta greve é uma máscara.

Muito da actual crise mundial se deve à falência do efeito distribuidor e regulador do sindicalismo, esvaziado por uma globalização que encostou os sindicatos à parede – ou reduzem a sua pressão distributiva sobre o capital, e perdem eficácia, ou insistem em reivindicações que convidem à deslocalização, e perdem dimensão.

Não é por acaso que o sindicalismo português, quando quer fazer de conta que ainda existe, mobiliza funcionários públicos e dos transportes – são as únicas actividades que não podem deslocalizar-se e deixá-los a falar sozinhos. A presente situação, permitindo juntar a esses trabalhadores mais uns milhares de insatisfeitos, activos, reformados ou outros, vai dar ao sindicalismo uma visibilidade artificial, ajudando a manter a ilusão.

Mas o País não precisa de ilusionismos, nem de políticos nem de sindicalistas – precisa de dignidade, responsabilidade, competência e trabalho.

Neste momento decorrem já as contagens que, como é hábito, vão permitir à CGTP anunciar cento e tal por cento de grevistas, e ao Governo reduzir esse número a pouco mais que os três trabalhadores que, ali atrás, vi parados à porta de uma fábrica.

Venho pela presente proibir Vossas Excelências de me contarem. Não ajudei a segurar a máscara do sindicalismo pujante que não temos, mas também não sou avalista de uma política suficientemente irresponsável para ter perdido o respeito e confiança do País.

Sou um dos outros – os que apenas trabalham e exigem respeito.

Com os meus respeitosos cumprimentos

quarta-feira, novembro 03, 2010

A Gabriela vai ser pai

Gabriela Santos, conhecida advogada de Casal Magro, é a primeira mulher do mundo a viver a alegria de ser pai.

Casada em Julho com Maria de Fátima, viu a esposa anunciar-lhe a gravidez na passada semana. A ecografia confirmou que se trata de uma menina, aguardando agora ambas com grande entusiasmo que nasça e cresça para se saber o sexo definitivo.
Quem reagiu da pior forma à notícia foi o pároco da igreja de Santo Estêvão, que, numa homilia violenta anunciou ir fazer tudo o que puder para denunciar o que considera “um desatino”.
A Tribuna do Casal Magro colocou a Gabriela Santos algumas questões, numa entrevista de que, com a devida vénia, retiro a parte mais significativa:

Jornal – Vai mesmo avançar com a ideia de se assumir como pai da criança?

Gabriela – Mas qual avançar? Não é preciso nada para obter esse reconhecimento – ele resulta do simples cumprimento do Código Civil.

Jornal – Como assim?

Gabriela – Então… veja o artigo 1826º - Ele diz taxativamente que no caso de um filho concebido na vigência do casamento se presume que o pai é o marido da mãe.

Jornal –O marido… claro. Mas o marido tem que ser homem. No seu casamento não há maridos, portanto esse artigo não se aplica.

Gabriela - Mas o que é que o senhor pensa que é o Código Civil? Um supermercado com artigos nas prateleiras para o cliente usar quando lhe convier? Obviamente que não! Todos os artigos em vigor no Código são para aplicar. Aliás, nada no Código exige que o marido tenha de ser homem.

Jornal –Como assim?.

Gabriela – O Código prevê os papéis de marido e esposa, que na lógica tradicional eram, de facto, desempenhados por homem e mulher, respectivamente, mas nada impõe ou define quanto ao sexo de cada um. A sua questão ainda resulta duma leitura tradicionalista da lei. Com a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, torna-se possível que ambos os papéis sejam indistintamente desempenhados por homem ou mulher, nada impedindo que um homem seja esposa, e uma mulher marido.

Jornal – Bem, eu não sou jurista, mas sei que a sua paternidade é uma impossibilidade biológica, e, portanto, se tentar levar a ideia avante ele pode ser impugnada.

Gabriela – Por quem?

Jornal – Sei lá… pelo padre Simão, por um médico, pelo registo civil… por mim…

Gabriela – De forma nenhuma. Veja o artigo 1839º, que define quem pode impugnar a presunção de paternidade: o marido da mãe, esta, o filho ou o Ministério Público. Mais ninguém se pode intrometer no assunto.

Jornal – Muito bem. Basta-me requerer ao Ministério Público que o faça.

Gabriela – A que título? A intervenção do Ministério Público está regulada pelo artigo 1841º que determina que ele só pode intervir por requerimento de alguém que se declare como pai.

Jornal – E se alguém o fizer?

Gabriela – Alguém a alegar que a minha esposa teve relações fora do nosso casamento? Seria bom que fizesse contas ao seu património antes de se meter nisso, porque a acção que eu moveria por difamação iria resolver não só o nosso futuro, mas o de todas criancinhas que viermos a gerar.

Jornal – Como? Insiste em levar a ideia para a frente?

Gabriela – Absolutamente. Para uma mulher, melhor que o sonho da maternidade só mesmo esta sensação única – ser pai.