sábado, setembro 18, 2010

Ainda as 10 medidas

Em 2008, quando a crise ainda dava os primeiros passos, tive o atrevimento de prever que ela iria muito para além do que os especialistas anunciavam, e alertar para a necessidade de criação de novas regras numa economia que… mudou.



A título de exercício elenquei 10 medidas “loucas” que agora revi. Confesso que nenhuma me pareceu ultrapassada, e dado que, na altura, prometi voltar ao assunto, cá vão algumas notas adicionais, que não dispensam a leitura dos textos originais, “As árvores que tapam a floresta” e “Floresta devastada”… se para tanto houver paciência

1 – Aumento do IVA, na União Europeia, em, pelo menos, 5%;

Aparentemente polémica, esta medida fazia parte de um conjunto que visava diluir a responsabilidade social do Estado por todos os negócios que tenham lugar no País, independentemente da origem da mão-de-obra envolvida. Não faz sentido que um produto ou serviço, tornado valor em Portugal através do consumo neste País, seja penalizado na parte em que envolva trabalho em solo nacional, e favorecido no que toca ao trabalho externo. A verdade verdadinha é que o IVA já aumentou (por força da incapacidade do Estado responder aos custos da crise social) e ameaça continuar a aumentar. Em vez de uma alteração estratégica e planeada, remenda-se ao sabor da conjuntura, e adiam-se soluções.

2 – Aumento simultâneo, na mesma percentagem, de salários, pensões e rendas habitacionais;

Trata-se, obviamente, de garantir que o aumento do IVA não agrava as condições das famílias. Obtido o equilíbrio entre o aumento do Imposto e das receitas familiares, a maior incidência dos gastos das famílias de rendimentos mais baixos, nos artigos isentos ou taxados com redução, representaria um desagravamento para os desfavorecidos

3 – Contabilização desse aumento de IVA como receita da Segurança Social (com mais uma tranche variável, a definir por cada país);

Mecanismo fiscal para introduzir parte das receitas do IVA no financiamento da Segurança Social

4 - Redução das contribuições das empresas para a Segurança Social para um valor entre 0 e 10%, a definir abatendo aos 10% o resultado do quociente entre o peso salarial no volume de negócios da empresa e o respectivo leque salarial;

Cá estão as medidas complementares, que despenalizam os criadores de emprego no País relativamente aos restantes. A contribuição das empresas para a Segurança Social passaria a ser inversamente proporcional ao seu contributo para a criação de emprego, e isso, para além de justo, é que constitui um verdadeiro incentivo.

5 – Liberalização dos despedimentos, mantendo-se apenas a penalização das empresas no despedimento de representantes dos trabalhadores, que passará a ser paga à Segurança Social e não ao despedido;

Sejamos claros: A proibição dos despedimentos não é uma protecção dos trabalhadores – é uma protecção dos sindicatos (ou sindicalistas). A prova, é que, quando a necessidade surge, o despedimento, com mais ou menos “barulho”, acontece mesmo, e, como consequência do risco desse “barulho”, criar um emprego é a última das últimas opções de qualquer empresário competente. Se mais provas fossem precisas, a demonstração da inoperância dessa medida foi a necessidade de reforçar a protecção dos sindicalistas, duplicando a penalização profissional. Esta medida expôs os sindicatos a manobras sem escrúpulos, em que alguns com empregos em risco se tornam subitamente activistas para receberem indemnizações em dobro relativamente aos seus colegas. (Conheço um caso de uma empresa que precisou de fechar uma secção com 6 pessoas, e lhes propôs pagar as indemnizações legais e ajudá-las a criar uma empresa própria, garantindo-lhe negócio durante alguns anos. Os trabalhadores pediram uns dias para reflectir, e na segunda reunião, cinco deles eram delegados sindicais). A protecção dos activistas sindicais faz sentido, mas transformar isso num privilégio é a negação dos princípios de igualdade e fraternidade subjacentes ao movimento sindical. O pagamento da penalização à Segurança Social reporia a dignidade do processo.

6 – Extinção das indemnizações por despedimento;

As indemnizações a pagar a cada empregado são um custo previsional das empresas que, no quadro contabilístico actual, deveria ser acautelado com uma provisão. É óbvio que o gigantesco montante que essa provisão poderia vir a representar comprometeria o equilíbrio financeiro das empresas, razão porque não é obrigatória. Como consequência, quando chega a hora fatídica, muitos trabalhadores confrontam-se com a evidência de um direito não exigível por insuficiência de meios. Não faz sentido manter uma exigência que constrange a normal dinâmica do emprego, e se revela inoperante quando é precisa. Até porque… há soluções.

7 – Obrigação para as empresas de contabilizarem, mensalmente, um aumento de capital no montante de 8% dos salários pagos, que passará a ser propriedade dos trabalhadores na proporção dos respectivos salários;

Porque não?

Toda a gente conhece a importância da participação nos resultados na motivação dos empregados. Toda a gente conhece, os “fringe beneficts”, em particular as “stock options”, comuns em quadros de topo. Porque não alargar o processo? Repare-se nas consequências:

• Em vez da expectativa de uma indemnização que pode não acontecer, o trabalhador terá sempre uma participação maior ou menor, na empresa que ajudou a fazer, e que valerá mais ou menos consoante o êxito de empresa. Ficam assegurados direitos dos trabalhadores, sem necessidade de provisões.

• Combate-se a descapitalização das empresas, através desse sistemático incremento de capital

• Vinculam-se os trabalhadores à empresa, com ganhos de disciplina e motivação.

• Assegura-se a intervenção dos trabalhadores na gestão, como sócios interessados, extinguindo as malfadadas Comissões de Trabalhadores, que mais não são que meros gabinetes políticos.

• Reforçam-se as preocupações sociais da empresa, com a efectiva participação do seu pessoal nas decisões de gestão, limitando a disponibilidade para a deslocalização.

• E, lembremo-nos, isto seria totalmente financiado com parte do que as empresas deixariam de pagar para a Segurança Social, sem qualquer custo para elas.

8 – Controlo rigoroso do crédito ao consumo;

Se as pessoas não têm a lucidez de gerir os seus compromissos em função da sua capacidade, há que as proteger dos “cantos de sereia”. O despudor com que a banca “empurrou” créditos para quem não sabia se podia pagar é responsável por milhares de dramas familiares, mas o bombardeio sistemático da publicidade, fabricando necessidades, não o é menos. Há que intervir em ambos os campos.

9 – Taxação progressiva de todas as operações com off-shores, até à sua inviabilização total.

Nem vale a pena alongar-me sobre a necessidade de disciplinar e tornar socialmente responsáveis os milhões que se multiplicam na clandestinidade

10 – Reforço da punição da publicidade enganosa, e proibição de publicidade condicionadora.

É muito tímido o combate à publicidade enganosa, e ninguém repara na desonestidade da publicidade condicionadora (excepção feita à destinada ao público infantil, que já vai levantando algumas objecções). Não assumirá essa publicidade laivos de fraude?

Um exemplo: Quando me sugerem a compra de umas cuecas, exibindo o Cristiano Ronaldo com umas vestidas, não estarão a enganar-me?

A intenção é associar mentalmente as cuecas ao êxito, levando-me, sem me aperceber, a admitir que o sucesso do rapaz tenha alguma coisa a ver com as cuecas, e criando em mim a tentação de chegar também ao êxito… vestindo aquelas cuecas. Quantos serão capazes de manter face a esses anúncios esta distância crítica, e resistir à tentação de comprar as cuecas pelo dobro ou triplo do seu valor, porque a colaboração do jogador na habilidade condicionadora é tão ou mais cara que um golo e… têm que ser as cuecas a pagar o anúncio?

Infelizmente, estamos no reino da fantasia, e nada continuará a ser feito pata travar o empobrecimento das classes médias e dos Estados ocidentais. Ou seja… voltarei ao assunto.

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