terça-feira, abril 14, 2015

Reposições

Sou fã das reposições.
Nos meus tempos de jovem estudante, os filmes estreavam-se no S. Jorge, Monumental, Império, ou qualquer outra das conhecidas catedrais do cinema, onde tínhamos que puxar por 7 ou mais escudos para o 2º balcão, única zona a que um estudante se atrevia.
Pouco tempo depois, surgia a reposição, no Imperial, Lis, ou Chiado Terrasse, a menos de metade do preço, com a aliciante do tenebroso Jornal de Actualidades ser substituído por outra longa-metragem, muitas vezes não menos interessante. Perdia-se o Bugs Bunny ou Woodpecker, mas o saldo era francamente compensador.
Ontem fui almoçar a um (bom) restaurante de amigos, onde dei por mim a reflectir sobre reposições.
A televisão tinha, de facto, em reposição no Telejornal o tema dos salários baixos, com Passos Coelho a tactear eventuais alterações relevantes para a economia dos votos, e CGTP e BE no habitual coro de denúncia da miséria dos salários, “fácil” de resolver pelo Governo, se quisesse: um Decreto-lei, Portaria, ou Despacho, fosse lá o que fosse, e os salários poderiam subir ao céu, passando até os alemães.
Claro que, poder é poder, e na servil televisão lá apareceu um oportuno estudo com a óbvia relação entre salários e produtividade, esmorecendo sindicalistas e bloquistas, e dando aos patrões incompetentes argumentos para fazer correr mais os empregados, a troco de poucos tostões.
O que é que isto tem a ver com o meu almoço?
Entrámos no restaurante, com muita gente, e fomos autorizados a escolher uma das duas mesas vagas, ambas com louça suja, sinal de recente utilização. Aguardámos uns minutos, mas o único empregado na sala não nos ligou nenhuma.
Percebemos porquê quando a porta da cozinha se abriu, e uma jovem simpática se dirigiu à nossa mesa, cumprimentou, e começou a recolher a louça. Arrebanhou o que pôde, e voltou à cozinha.
Na 2ª viagem retirou o resto da louça suja, deixando na mesa um conjunto de pratos e talheres não usados pelos anteriores clientes, levando-me a presumir que os iríamos “herdar”.
Errado! Na 3ª viagem levou tudo, incluindo a toalha, já algo manchada.
Na 4ª viagem trouxe e estendeu uma outra toalha de pano limpa (bem visto!)
Na 5ª veio então a nossa ferramenta, ficando a mesa pronta, pelo que, na 6ª viagem nos presenteou com a lista.
Foi embaraçoso escolher, pois parecia tudo bom, e bom se confirmou o que, na 7ª viagem da jovem escolhemos, tendo a refeição decorrido muito bem.
Pois… Mas o que é que isto tem a ver com salários?
Na 1ª viagem, a jovem podia ter trazido um tabuleiro, para onde recolhia tudo, inclusive a toalha.
Na 2ª viagem viria a lista e a toalha limpa, que ela estenderia depois de entregar a lista à cliente.
Na 3ª viagem chegaria a louça limpa, e seria recolhido o pedido.
Ou seja, antes de nos pôr a comer, a jovem andou muito, e deve sentir-se mal paga por todo esse esforço. Mas se todos andarem o dobro do que é preciso (ou mais, como neste caso), os patrões vão precisar do dobro do pessoal, e, forçados a vender a excelente Raia à Lagareiro pelos 6.50€ que a concorrência impõe, só conseguem pagar a cada um metade do que talvez pudessem pagar, se eles fizessem o mesmo serviço com metade do esforço.  

PS – Compreendo a dificuldade das contraditórias pressões sobre os sindicatos: o desemprego leva-os a forçar o subemprego, e as consequências da reduzida produtividade convida ao coro dos baixos salários.

O estupor da Economia é que não vai em conversa nem cantigas…

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